sábado, 23 de outubro de 2010

Origem do palhaço

A arte do clowning existe há milhares de anos. Um palhaço pigmeu atuou como bobo na corte do Faraó Dadkeri-Assi durante a Quinta Dinastia Egípcia (cerca de 2500 A.C). Bobos da Corte atuam na China desde 1818 A.C. Através da história muitas culturas tiveram seus palhaços. Quanto Cortez conquistou a nação Azteca em 1520 D.C. descobriu que a corte de Montezuma incluía bobos similares aos da Europa. Bobos Aztecas, palhaços anões e bufões corcundas estiveram entre os tesouros que Cortez trouxe de volta ao Papa Clemente VII. Muitas tribos nativas americanas tinham algum tipo de personagem palhaço, que exerciam um importante papel na vida social e religiosa da tribo e em alguns casos se acreditava serem capazes de curar certas doenças.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Fato Veríssimo

E com louvor agradecemos ao nosso ilustrissimo Gunar Oliveira , que compos a musica para a peça... o nome de sua composição, "Fato Veríssimo" , pode se tornar também o nome da apresentação de fim de ano

Eis a letra:

Fato Verríssimo

Repita ou aprove, 
Prove desse falo
Falo do que como
como é que eu calo?

Calo se tem eu piso
Piso escorre pro ralo
Ralo-te corto 
Pico e descasco 

Homens:
Fatos em fatias finas...

Mulheres:
Verdades Veridíssimas...

Homens:
Feitas de acasos falhos... 

Mulheres:
Veríssimo é do....

Homens:
CARALHO!!

domingo, 17 de outubro de 2010

Bagé

(Luis Fernando Veríssimo)

Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas.

Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem-educada), mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar.

Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.

― Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.

― O senhor quer que eu deite logo no divã?

― Bom, se o amigo quiser dançar uma marca antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.

― Certo, certo. Eu...

― Aceita um mate?

― Um quê? Ah, não. Obrigado.

― Pos desembucha.

― Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?

― Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.

― Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe.

― Outro...

― Outro?

― Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.

― E o senhor acha...

― Eu acho uma poca vergonha.

― Mas...

― Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!

Contam que outra vez um casal pediu para consultar, juntos, o analista de Bagé.

Ele, a princípio, não achou muito ortodoxo.

― Quem gosta de aglomeramento é mosca em bicheira...

Mas acabou concordando.

― Se abanquem, se abanquem no más. Mas que parelha buenacha, tchê. Qual é o causo?

― Bem ― disse o homem ―,é que nós tivemos um desentendimento...

― Mas tu também é um bagual. Tu não sabe que em mulher e cavalo novo não se mete a espora?

― Eu não meti a espora. Não é, meu bem?

― Não fala comigo!

― Mas essa alta mais nervosa que gato em dia de faxina.

― Ela tem um problema de carência afetiva...

― Eu não sou de muita frescura. Lá de onde eu venho, carência afetiva é falta de homem.

― Nós estamos justamente atravessando uma crise de relacionamento porque ela tem procurado experiências extra-conjugais e...

― Epa. Opa. Quer dizer que a negra velha é que nem luva de maquinista? Tão folgada que qualquer um bota a mão?

― Nós somos pessoas modernas. Ela está tentando encontrar o verdadeiro eu, entende?

― Ela ta procurando o verdadeiro tu nos outros?

― O verdadeiro eu, não. O verdadeiro eu dela.

― Mas isto ta ficando mais enrolado que lingüiça de venda. Te deita no pelego.

― Eu?

― Ela. Tu espera na salinha.

Lar Desfeito

(Luis Fernando Veríssimo)

José e Maria estavam casados há 20 anos e eram muito felizes um com o outro. Tão felizes que um dia, na mesa, a filha mais velha reclamou:

— Vocês nunca brigam?

José e Maria se entreolharam. José respondeu:

— Não, minha filha. Sua mãe e eu não brigamos.

— Nunca brigaram? — quis saber Vítor, o filho do meio.

— Claro que já brigamos. Mas sempre fizemos as pazes.

— Na verdade, brigas, mesmo, nunca tivemos. Desentendimentos, como todo mundo. Mas sempre nos demos muito bem...

— Coisa mais chata — disse Venancinho, o menor.

Vera, a filha mais velha, tinha uma amiga, Nora, que a deixava fascinada com suas histórias de casa. Os pais de Nora viviam brigando. Era um drama. Nora contava tudo para Vera. Às vezes chorava. Vera consolava a amiga. Mas no fundo tinha uma certa inveja. Nora era infeliz. Devia ser bacana ser infeliz assim. O sonho de Vera era ter um problema em casa para poder ser revoltada como Nora. Ter olheiras como Nora.

Vítor, o filho do meio, freqüentava muito a casa de Sérgio, seu melhor amigo. Os pais de Sérgio estavam separados. O pai de Sérgio tinha um dia certo para sair com ele. Domingo. Iam ao parque de diversões, ao cinema, ao futebol. O pai de Sérgio namorava uma moça do teatro. E a mãe de Sérgio recebia visitas de um senhor muito camarada que sempre trazia presentes para Sérgio.

Venancinho, o filho menor, também tinha amigos com problemas em casa. A mãe do Haroldo, por exemplo, tinha se divorciado do pai do Haroldo e casado com um cara divorciado. O padrasto de Haroldo tinha uma filha de 11 anos que podia tocar o Danúbio azul espremendo uma das mãos na axila, o que deixava a mãe do Haroldo louca. A mãe do Haroldo gritava muito com o marido.

Bacana.

— Eu não agüento mais esta situação — disse Vera, na mesa,

— Que situação, minha filha?

— Essa felicidade de vocês!

— Vocês deviam ter o cuidado de não fazer isso na nossa frente – disse Vítor.

— Mas nós não fazemos nada!

— Exatamente.

Venancinho batia com o talher na mesa e reivindicava:

— Briga. Briga. Briga.

José e Maria concordavam que aquilo não podia continuar. Precisavam pensar nas crianças. Antes de mais nada, nas crianças. Manteriam uma fachada de desacordo, ódio e desconfiança na frente deles, para esconder a harmonia. Não seria fácil. Inventariam coisas. Trocariam acusações fictícias e insultos.

Tudo para não traumatizar os filhos.

— Víbora, não! — gritou Maria, começando a erguer-se do seu lugar na mesa com a faca serrilhada na mão.

José também ergueu-se e empunhou a cadeira.

— Víbora, sim! Vem que eu te arrebento.

Maria avançou. Vera agarrou-se ao seu braço.

— Mamãe. Não!

Vítor segurou o pai. Venancinho, que estava de boca aberta e os olhos arregalados desde o começo da discussão — a pior até então —, achou melhor pular da cadeira e procurar um canto neutro da sala de jantar.

Depois daquela cena, nada mais havia a fazer. O casal teria que se separar. Os advogados cuidariam de tudo. Eles não podiam mais nem se enxergar.

Agora era Nora que consolava Vera. Os pais eram assim mesmo. Ela tinha experiência. A família era uma instituição podre. Sozinha, na frente do espelho, Vera imitava a boca de desdém de Nora.

— Podre. Tudo podre.

E esfregava os olhos, para que ficassem vermelhos. Ainda não tinha olheiras, mas elas viriam com o tempo. Ela seria amarga e agressiva. A pálida filha de um lar desfeito. Um pouco de pó-de-arroz talvez ajudasse.

Vítor e Venancinho saíam aos domingos com o pai. Uma vez foram ao Maracanã junto com Sérgio, o pai do Sérgio e a namorada do pai do Sérgio, a moça do teatro. O pai do Sérgio perguntou se José não gostaria de conhecer uma amiga da sua namorada. Assim poderiam fazer mais programas juntos. José disse que achava que não. Precisava de tempo para se acostumar com sua nova situação. Sabe como é.

Maria não tinha namorado. Mas no mínimo duas vezes por semana desaparecia de casa, depois voltava menos nervosa. Os filhos tinham certeza de que ela ia se encontrar com um homem.

— Eles desconfiam de alguma coisa? — perguntou José.

— Acho que não — respondeu Maria.

Estavam os dois no motel onde se encontravam, no mínimo duas vezes por semana, escondidos.

— Será que fizemos o certo?

— Acho que sim. As crianças agora não se sentem mais deslocadas no meio dos amigos. Fizemos o que tinha que ser feito.

— Será que algum dia vamos poder viver juntos outra vez?

— Quando as crianças saírem de casa. Aí então estaremos livres das convenções sociais. Não precisaremos mais manter as aparências.

Me beija.

A Mentira

(Luis Fernando Veríssimo)

João chegou em casa cansado e disse para sua mulher, Maria, que queria tomar um banho, jantar e ir direto para a cama. Maria lembrou a João que naquela noite eles tinham ficado de jantar na casa de Pedro e Luíza.

João deu um tapa na testa, disse um palavrão e declarou que, de maneira nenhuma, não iria jantar na casa de ninguém. Maria disse que o jantar estava marcado há uma semana e seria uma falta de consideração com Pedro e Luíza, que afinal eram seus amigos, deixar de ir. João reafirmou que não ia. Encarregou Maria de telefonar para Luíza e dar uma desculpa qualquer. Que marcassem o jantar para a noite seguinte. Maria telefonou para Luíza e disse que João chegara em casa muito abatido, até com um pouco de febre, e que ela achava melhor não tirá-lo de casa àquela noite.

Luíza disse que era uma pena, que tinha preparado um Blanquette de Veau que era uma beleza, mas que tudo bem. Importante é a saúde e é bom não facilitar. Marcaram o jantar para a noite seguinte, se João estivesse melhor. João tomou banho, jantou e foi se deitar. Maria ficou na sala vendo televisão. Ali pelas nove bateram na porta. Do quarto, João, que ainda não dormira, deu um gemido. Maria, que já estava de camisola, entrou no quarto para pegar seu robe de chambre. João sugeriu que ela não abrisse a porta. Naquela hora só podia ser chato. Ele teria que sair da cama. Que deixasse bater. Maria concordou. Não abriu a porta.

Meia hora depois, tocou o telefone, acordando João. Maria atendeu. Era Luíza, querendo saber o que tinha acontecido.

— Por quê? — perguntou Maria.

— Nós estivemos aí há pouco, batemos, batemos e ninguém atendeu.

— Vocês estiveram aqui?

— Para saber como estava o João. O Pedro disse que andou sentindo a mesma coisa há alguns dias e queria dar umas dicas. O que houve?

— Nem te conto — contou Maria, pensando rapidamente. — O João deu uma piorada. Tentei chamar um médico e não consegui. Tivemos que ir a um hospital.

— O quê? Então é grave.

— A febre aumentou. Ele começou a sentir dores no corpo.

— Apareceram pintas vermelhas no rosto — sugeriu João, que agora estava ao lado do telefone, apreensivo.

— Estava com o rosto coberto de pintas vermelhas.

— Meu Deus. Ele já teve sarampo, catapora, essas coisas?

— Já. O médico disse que nunca tinha visto coisa igual.

— Como é que ele está agora?

— Melhor. O médico deu uns remédios. Ele está na cama.

— Vamos já para aí!

— Espere!

Mas Luíza já tinha desligado. João e Maria se entreolharam. E agora? Não podiam receber Pedro e Luíza. Como explicar a ausência das pintas vermelhas?

— Podemos dizer que o remédio que o médico deu foi milagroso. Que eu estou bom. Que podemos até sair para jantar — disse João, já com remorso.

— Eles iam desconfiar. Acho que já estão desconfiados. É por isso que vêm para cá. A Luíza não acreditou em nenhuma palavra que eu disse.

Decidiram apagar todas as luzes do apartamento e botar um bilhete na porta. João ditou o bilhete para Maria escrever.

— Bota aí: "João piorou subitamente. O médico achou melhor interná-lo. Telefonaremos do hospital."

— Eles são capazes de ir ao hospital à nossa procura.

— Não vão saber que hospital é.

— Telefonarão para todos. Eu sei. A Luíza nunca nos perdoará a Blanquette de Veau perdida.

— Então bota aí: "João piorou subitamente. Médico achou melhor interná-lo na sua clínica particular. O telefone lá é 236-6688."

— Mas esse é o telefone do seu escritório.

— Exato. Iremos para lá e esperaremos o telefonema deles.

— Mas até que a gente chegue ao seu escritório...

— Vamos embora!

Deixaram o bilhete preso na porta. Apertaram o botão do elevador. O elevador já estava subindo. Eram eles!

— Pela escada, depressa!

O carro de Pedro estava barrando a saída da garagem do edifício. Não podiam usar o carro. Demoraram para conseguir um táxi. Quando chegaram ao escritório de João, que perdeu mais tempo explicando ao porteiro a sua presença ali no meio da noite, o telefone já tocando. Maria apertou o nariz para disfarçar a voz e atendeu:

— Clínica Rochedo.

"Rochedo?!", espantou-se João, que se atirara, ofegante, numa poltrona.

— Um momentinho, por favor — disse Maria.

Tapou o fone e disse para João que era Luíza. Que mulherzinha! O que a gente faz para preservar uma amizade. E não passar por mentiroso. Maria voltou ao telefone.

— O Sr. João está no quarto 17, mas não pode receber visitas. Sua senhora? Um momentinho, por favor.

Maria tapou o fone outra vez.

— Ela quer falar comigo.

Atendeu com a sua voz normal.

— Alô, Luíza? Pois é. Estamos aqui. Ninguém sabe o que é. Está com pintas vermelhas por todo o corpo e as unhas estão ficando azuis. O quê? Não, Luíza, vocês não precisam vir para cá.

— Diz que é contagioso — sussurrou João, que com a cabeça atirada para trás preparava-se para retomar seu sono na poltrona.

— É contagioso. Nem eu posso chegar perto dele. Aliás, eles vão evacuar toda a clínica e colocar barreiras em todas as ruas aqui perto. Estão desconfiados de que é um vírus africano que...

Vida em manchetes

(Luis Fernando Veríssimo)

— Viu só? Caiu outro avião.
— É. Desta vez foram oitenta e cinco mortos.
— Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.
— Bobagem.
— Bobagem é morrer.
— Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de. . .
— Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.
— Você caminha por onde?
— Como, por onde? Pela calçada, ué.
— Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgover¬nado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.
— Quer dizer que calçada. . .
— É perigosíssimo. . .
— O negócio é não sair de casa.
— E, é claro, mandar cortar a luz.
— Por que cortar a luz?
— Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando troca¬va lâmpada. Fratura na base do crânio.”
— Está certo. Corto a luz.
— “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?
— Gás.
— Escapamento. “Vizinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: “Explosão de botijão arrasa apartamento”.
— Fogareiro a querosene.
— “Tocha humana! Morreu antes que. . .”
— Comida enlatada fria.
— Botulismo.
— Mando comprar comida fora.
— Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traquéia. “Comida estragada, diarréia fatal!”
— Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina. . .
— Hepatite. . .
— ...e oxigênio.
— Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.
— Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...
— Picada de cobra. Coice de mula. Médico não chega a tempo.
— Não saio mais da cama!
— Está provado: oitenta e dois por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.
— Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Te¬nho um jeito infalível de escapar da morte.
— Qual é?
— Eu vou me suicidar!

Noite e dia

(Luis Fernando Veríssimo)

O Homem que Acorda Cedo e o Homem que Dorme Tarde se encontram numa parada de ônibus.
— Bom dia.
— Boa noite.
— O primeiro ônibus não demora.
— Você quer dizer o último ônibus.
— Parece que vai ser um dia bonito.
— É o fim de uma longa noite.
— Mas é o começo do dia.
— O fim.
— Olha o sol aparecendo.
— Olha a lua desaparecendo.
— Que energia, que ânimo para o trabalho!
— Que cansaço.
— O primeiro som que ouvi hoje foi o cantar dos passarinhos.
— O último que eu ouvi foi o trombonista fechando o instrumento na maleta.
— Ainda sinto na boca o gosto de, deixa ver: pasta de dente, suco de laranja bem frio; café com leite, pão novo e, espera aí, hm. . . Ah, aqui está: manteiga fresca.
— Cigarro mofado, uísque ruim e um filé que sentou mal.
— Pretendo ganhar duzentos cruzeiros hoje, com o suor do meu rosto.
— Gastei quinhentos, sem suar.
— Olha o cheiro dos jardins, da minha loção de barba, do sol queimando a cerração.
— O perfume barato que ela usava, álcool na gravata e respingo de vômito.
— Olha o sol na nossa cara!
— Olha o sol na minha cara, pô.
— Respire fundo.
— Deus me livre.
— Esperança e fé.
— Remorso e azia.
— Produção.
— Dissolução.
— Progresso.
— Lixo.
— Colegiais e trabalhadores.
— Prostitutas e vadios.
— Passarinhos.
— Cansaço.
— Jardins.
— Vômito.
— O sol.
— O fim.
— Olha o primeiro ônibus!
— O último, você quer dizer.
E os dois embarcam. No mesmo ônibus.

Fatos Verdadeiríssimos

Em estudos e experimentos...








sábado, 16 de outubro de 2010

O Ofício do Ator

(por Anamaria Barreto: atriz, diretora e arte-educadora)

Quando entrei na Escola de Arte Dramática de São Paulo – ECA/USP, nos idos de 1967 – auge da ditadura militar - se fizessem essa pergunta aos alunos, teríamos as mais variadas respostas. Desde o ator ser um instrumento de contestação ao regime autoritário, até sonhar em aparecer em capas de revistas ou passando pela conscientização de que éramos pessoas privilegiadas, pois tínhamos talentos diferenciados dos outros mortais.

Fui fazer exame para entrar na Escola sem ter, ao menos, um texto de dramaturgia em casa, pois na minha família só meu pai era artista – músico - e eu nunca tinha pisado num palco. Naquele dia fui ao cabeleireiro e vesti a minha melhor roupa, pois sabia o quão era importante enfrentar a banca de examinadores e que lá estava o único futuro que almejava para mim.

Logo que começaram as aulas nós, uma turma de vinte e cinco grandes atores escolhidos entre trezentos e tantos candidatos, passamos por um processo para baixar nossa auto estima artística a fim de compreendermos que não sabíamos nada, que não éramos nem atores ainda - quanto mais grandes - e que tínhamos de exercitar as virtudes universais: humildade, paciência, generosidade, integridade, ética, companheirismo, disciplina, pontualidade, verdade e amor. Não só isso, mas afastar do nosso cotidiano os pecados da inveja, da preguiça, do “eu” engrandecido, da intolerância, da competição desonesta e busca da fama a qualquer preço. Acreditei nisso e minha vida teatral tem se pautado nessa busca.

Estão achando pieguice da minha parte? Pois saibam que antes de ser um grande ator, precisamos ser uma pessoa que, embora conheça e trabalhe com todos os pecados na construção de personagens, tenha percepção suficiente para separar e não confundir persona / personagem.

Sempre falo com meus alunos que tenho um pouco de medo dos aspirantes a ator/atriz muito talentoso(a). O talento, às vezes, funciona como um breque de mão puxado no aprendizado e faz com que o “talentoso” chegue à conclusão de que não é necessário trabalhar e nem se esforçar para ter sucesso no palco. Esse é o maior perigo para o jovem ator. Paralisa o processo, estimula a preguiça e faz com que, desde o começo, ele use facilitadores na arte da representação. Construir personagens é uma busca constante e trabalhosa. Requer observação, despojamento, disciplina e todas as virtudes acima mencionadas.

Fazer teatro não é fácil e a responsabilidade de quem sobe num palco é imensa, por isso aquele que acha que o talento basta, vai começar a descer uma ladeira íngreme de repetições, clichês, “truques” e, fatalmente, desaprenderá o ofício do ator.

Sempre que participo como jurada em festivais, o discurso é o mesmo: não dá para estar no espaço reservado do palco, enfrentando uma platéia que saiu de casa e se dispôs a receber - ao vivo e a cores – o que de melhor tem o ator para dar, que o mesmo não tenha se preparado, estudado, adquirido técnica, trabalhado e, principalmente, buscado a verdade no processo de criação.

Não consigo entender um ator que não lê, que não observa, que não escuta as pessoas, que não trabalha no seu aperfeiçoamento humano, que seja intolerante e que critica, maldosamente, seus colegas. O ator deve responder pelos talentos que recebeu, deve ser feliz e otimista.

Nas minhas aulas eu induzo todos a exercitar o SIM e proíbo o NÃO: NÃO SEI, NÃO POSSO, NÃO ENTENDI, NÃO CONSIGO, NÃO CONCORDO...

Muitos pensarão que sou tirana, despótica e autoritária. Não é nada disso, porque eu ESCUTO e nessa troca com meus alunos, eu aprendo muito e o primeiro conceito que passo a eles é que a experiência e a vivência teatral contam muito no aprendizado da arte de atuar. E o que é ter vivência teatral? Aprender sempre, observar, ouvir, ousar, não ter preconceito, trabalhar, concentrar, combater a vaidade e, finalmente, tornar-se uma pessoa melhor.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Veríssimo - A La Carte

Processo Teatral - estudos de Luiz Fernando Veríssimo


 



  




Versões de Mim

(Luís Fernando Veríssimo)


Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.


Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número, (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…

Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

- Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.

-Por que? Sua vida não foi melhor do que a minha?

-Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia.

-Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido. Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.

- Como é que você sabe?

- Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei. Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante.

Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.

- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…

- E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono.

- Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?

- Você…

- Morri com 28 anos.

- Bem que tínhamos notado sua palidez.

- Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…

- E ter levado o chute na cabeça…

- Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado.

- Você deve estar brincando.

Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

- Quem é você?

- Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração.

Olhei em volta. Eu lotava o bar.

Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali,era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente.

Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.

- Quem é você? perguntei.

- Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

- E..?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo.

Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou as atitudes que você NÃO teve, mas sim, aquilo que foi feito!

Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado!

Hoje eu sei que eu sou a melhor versão de mim mesmo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Analista de Bagé

O personagem representa um gaúcho, psicanalista supostamente freudiano de linha ortodoxa de palavras marcantes e ilustrativo da sabedoria popular do Rio Grande do Sul. Sua assistente, Lindaura, auxiliava-o na abordagem de casos mais difíceis.
Teve uma infância normal, onde o que não aprendeu no galpão, aprendeu atrás do galpão
[2]
O analista se diz "mais ortodoxo que pomada Minancora" ou que as Pastilhas Valda. Sua técnica do joelhaço, no entanto, é bastante heterodoxa, a depender do ponto de vista. Ela está baseada no princípio da dor maior, isto é, quando o paciente vem se queixar de suas dores subjetivas, o joelhaço aplicado no local correto oferece ao sujeito a vivência de uma dor tão mais intensa que faz com que se esqueça das dores "menores".

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Antropofagia

Tarsila pintou o Abaporu para impressionar Oswald. A intenção era criar um ser antropófago e o nome saiu mesmo de um dicionário de tupi-guarani. Não esperava, porém, tamanho impacto. Chamado por Tarsila, Oswald vai ao ateliê nos Campos Elísios e, ao ver o quadro, exclama: «Mas o que é isso ?!» De imediato, telefonou ao amigo Raul Bopp, pedindo-lhe que viesse sem mais demora. É ela que conta:«Bopp foi lá no meu ateliê, na rua Barão de Piracicaba, assustou-se também. Oswald disse: "Isso é como se fosse um selvagem, uma coisa do mato" e Bopp concordou. Eu quis dar um nome selvagem também ao quadro e dei Abaporu, palavras que encontrei no dicionário de Montóia, da língua dos índios. Quer dizer antropófago.»
O quadro em si, representa a importância física e não mental do trabalho no campo.
O Abaporu foi a inspiração do movimento modernista na época, batizado de Antropofagia- Ato de comer carne humana ( diz-se especialmente de ser humano).