domingo, 26 de setembro de 2010

Casal é tudo igual

(Luis Fernando Veríssimo)

Ele: – Alô?

Ela: – Pronto.

Ele: – Voz estranha… Gripada?

Ela: – Faringite.

Ele: – Deve ser o sereno. No mínimo tá saindo todas as noites pra badalar.

Ela: – E se estivesse? Algum problema?

Ele: – Não, imagina! Agora, você é uma mulher livre.

Ela: – E você? Sua voz também está diferente. Faringite?

Ele: – Constipado.

Ela: – Constipado? Você nunca usou esta palavra na vida.

Ele: – A gente aprende.

Ela: – Tá vendo? A separação serviu para alguma coisa.

Ele: – Viver sozinho é bom. A gente cresce.

Ela: – Você sempre viveu sozinho. Até quando casado só fez o que quis.

Ele: – Maldade sua, pois deixei de lado várias coisas quando a gente se casou.

Ela: – Evidente! Só faltava você continuar rebolando nas discotecas com as amigas.

Ele: – Já você não abriu mão de nada. Não deixou de ver novela, passear no shopping, comprar jóias, conversar ao telefone com as amigas durante horas…

… Silêncio ….

Ela: – Comprar jóias? De onde você tirou essa idéia? A única coisa que comprei em quinze anos de casamento foi um par de brincos.

Ele: – Quinze anos? Pensei que fosse bem menos.

Ela: – A memória dos homens é um caso de polícia!

Ele: – Mas conversar com as amigas no telefone…

Ela: – Solidão, meu caro, cansaço… Trabalhar fora, cuidar das crianças e ainda preparar o jantar para o HERÓI que chega à noite…Convenhamos, não chega a ser uma roda-gigante de emoções…

Ele: – Você nunca reclamou disso.

Ela: – E você me perguntou alguma vez?

Ele: – Lá vem você de novo… As poucas coisas que eu achava que estavam certas… Isso também era errado!?

Ela – Evidente, a gente não conversava nunca…

Ele: – Faltou diálogo, é isso? Na hora, ninguém fala nada. Aparece um impasse e as mulheres não reclamam. Depois, dizem que faltou diálogo. As mulheres são de Marte.

Ela: – E vocês são de Saturno!

…Silêncio…

Ele: – E aí, como vai a vida?

Ela: – Nunca estive tão bem. Livre para pensar, ninguém pra me dizer o que devo fazer…

Ele: – E isso é bom?

Ela: – Pense o que quiser, mas quinze anos de jornada são de enlouquecer qualquer uma.

Ele: – Eu nunca fui autoritário!

Ela: – Também nunca foi compreensivo!

Ele: – Jamais dei a entender que era perfeito. Tenho minhas limitações como qualquer mortal..

Ela: – Limitado e omisso como qualquer mortal.

Ele: – Você nunca foi irônica.

Ela: – Isso a gente aprende também.

Ele: – Eu sempre te apoiei.

Ela: – Lógico. Se não me engano foi no segundo mês de casamento que você lavou a única louça da tua vida. Um apoio inestimável…Sinceramente, eu não sei o que faria sem você. Ou você acha que fazer vinte caipirinhas numa tarde para um bando de marmanjos que assistem ao jogo da Copa do Mundo era realmente o meu grande objetivo na vida?

Ele: – Do que você está falando?

Ela: – Ah, não lembra?

Ele: – Ana, eu detesto futebol.

Ela: – Ana!? Esqueceu meu nome também? Alexandre, você ficou louco?

Ele: – Alexandre? Meu nome é Ronaldo!

…Silêncio…

Ele: – De onde está falando?

Ela: – 578 9922

Ele: – Não é o 579 9222?

Ela: – Não.

Ele: – Ah, desculpe, foi engano.

Depois de um tempo ambos caem na gargalhada.

Ele: Quer dizer que você faz uma ótima caipirinha, hein?

Ela: – Modéstia a parte… Mas não gosto, prefiro vinho tinto.

Ele: – Mesmo? Vinho é a minha bebida preferida!

Ela: – E detesta futebol?

Ele: – Deus me livre… 22 caras correndo atrás de uma bola… Acho ridículo!

Ela: – Bem, você me dá licença, mas eu vou preparar o jantar.

Ele: – Que pena… O meu já está pronto. Risoto, minha especialidade!

Ela: – Mentira! É o meu prato predileto…

Ele: – Mesmo! Bem, a porção dá pra dois, e estou abrindo um Chianti também.Você não gostaria de…

Ela: – Adoraria!

….Ele dá o endereço.

Ela: – Nossa, tão pertinho! São dois quarteirões daqui.

Ele: – Então? É pegar ou largar.

Ela: – Tô passando aí, Ronaldo.

Ele: – Combinado, vizinha.

Nenhum comentário: