sábado, 16 de outubro de 2010

O Ofício do Ator

(por Anamaria Barreto: atriz, diretora e arte-educadora)

Quando entrei na Escola de Arte Dramática de São Paulo – ECA/USP, nos idos de 1967 – auge da ditadura militar - se fizessem essa pergunta aos alunos, teríamos as mais variadas respostas. Desde o ator ser um instrumento de contestação ao regime autoritário, até sonhar em aparecer em capas de revistas ou passando pela conscientização de que éramos pessoas privilegiadas, pois tínhamos talentos diferenciados dos outros mortais.

Fui fazer exame para entrar na Escola sem ter, ao menos, um texto de dramaturgia em casa, pois na minha família só meu pai era artista – músico - e eu nunca tinha pisado num palco. Naquele dia fui ao cabeleireiro e vesti a minha melhor roupa, pois sabia o quão era importante enfrentar a banca de examinadores e que lá estava o único futuro que almejava para mim.

Logo que começaram as aulas nós, uma turma de vinte e cinco grandes atores escolhidos entre trezentos e tantos candidatos, passamos por um processo para baixar nossa auto estima artística a fim de compreendermos que não sabíamos nada, que não éramos nem atores ainda - quanto mais grandes - e que tínhamos de exercitar as virtudes universais: humildade, paciência, generosidade, integridade, ética, companheirismo, disciplina, pontualidade, verdade e amor. Não só isso, mas afastar do nosso cotidiano os pecados da inveja, da preguiça, do “eu” engrandecido, da intolerância, da competição desonesta e busca da fama a qualquer preço. Acreditei nisso e minha vida teatral tem se pautado nessa busca.

Estão achando pieguice da minha parte? Pois saibam que antes de ser um grande ator, precisamos ser uma pessoa que, embora conheça e trabalhe com todos os pecados na construção de personagens, tenha percepção suficiente para separar e não confundir persona / personagem.

Sempre falo com meus alunos que tenho um pouco de medo dos aspirantes a ator/atriz muito talentoso(a). O talento, às vezes, funciona como um breque de mão puxado no aprendizado e faz com que o “talentoso” chegue à conclusão de que não é necessário trabalhar e nem se esforçar para ter sucesso no palco. Esse é o maior perigo para o jovem ator. Paralisa o processo, estimula a preguiça e faz com que, desde o começo, ele use facilitadores na arte da representação. Construir personagens é uma busca constante e trabalhosa. Requer observação, despojamento, disciplina e todas as virtudes acima mencionadas.

Fazer teatro não é fácil e a responsabilidade de quem sobe num palco é imensa, por isso aquele que acha que o talento basta, vai começar a descer uma ladeira íngreme de repetições, clichês, “truques” e, fatalmente, desaprenderá o ofício do ator.

Sempre que participo como jurada em festivais, o discurso é o mesmo: não dá para estar no espaço reservado do palco, enfrentando uma platéia que saiu de casa e se dispôs a receber - ao vivo e a cores – o que de melhor tem o ator para dar, que o mesmo não tenha se preparado, estudado, adquirido técnica, trabalhado e, principalmente, buscado a verdade no processo de criação.

Não consigo entender um ator que não lê, que não observa, que não escuta as pessoas, que não trabalha no seu aperfeiçoamento humano, que seja intolerante e que critica, maldosamente, seus colegas. O ator deve responder pelos talentos que recebeu, deve ser feliz e otimista.

Nas minhas aulas eu induzo todos a exercitar o SIM e proíbo o NÃO: NÃO SEI, NÃO POSSO, NÃO ENTENDI, NÃO CONSIGO, NÃO CONCORDO...

Muitos pensarão que sou tirana, despótica e autoritária. Não é nada disso, porque eu ESCUTO e nessa troca com meus alunos, eu aprendo muito e o primeiro conceito que passo a eles é que a experiência e a vivência teatral contam muito no aprendizado da arte de atuar. E o que é ter vivência teatral? Aprender sempre, observar, ouvir, ousar, não ter preconceito, trabalhar, concentrar, combater a vaidade e, finalmente, tornar-se uma pessoa melhor.

Nenhum comentário: