domingo, 17 de outubro de 2010

Vida em manchetes

(Luis Fernando Veríssimo)

— Viu só? Caiu outro avião.
— É. Desta vez foram oitenta e cinco mortos.
— Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.
— Bobagem.
— Bobagem é morrer.
— Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de. . .
— Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.
— Você caminha por onde?
— Como, por onde? Pela calçada, ué.
— Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgover¬nado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.
— Quer dizer que calçada. . .
— É perigosíssimo. . .
— O negócio é não sair de casa.
— E, é claro, mandar cortar a luz.
— Por que cortar a luz?
— Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando troca¬va lâmpada. Fratura na base do crânio.”
— Está certo. Corto a luz.
— “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?
— Gás.
— Escapamento. “Vizinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: “Explosão de botijão arrasa apartamento”.
— Fogareiro a querosene.
— “Tocha humana! Morreu antes que. . .”
— Comida enlatada fria.
— Botulismo.
— Mando comprar comida fora.
— Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traquéia. “Comida estragada, diarréia fatal!”
— Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina. . .
— Hepatite. . .
— ...e oxigênio.
— Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.
— Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...
— Picada de cobra. Coice de mula. Médico não chega a tempo.
— Não saio mais da cama!
— Está provado: oitenta e dois por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.
— Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Te¬nho um jeito infalível de escapar da morte.
— Qual é?
— Eu vou me suicidar!

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